28 de fevereiro de 2008

Imagem

De manhã hesitei entre vestir uma das minhas várias calças rotas nos joelhos, ou umas assim um bocadinho menos rotas, o par "bom", ainda que meio esgaçadas perto dos bolsos. Todas assim de velhas, não de propósito. Enquanto ponderava quais usar o João apressou-me com um "Despacha-te que temos que ir ao Barclays".

Já ando farta dos joelhos expostos ao frio de Inverno mas decidi-me pelas mais rotas. É que, nisto de bancos, convem pensar-se na imagem.

13 de fevereiro de 2008

Expectativas

A minha avó Celina sempre soube gerir com mestria dois papeis muito distintos. Por um lado, o de mulher em segundo plano, que gere a casa e atende ao marido e aos filhos. Por outro, o de mulher auto-suficiente e independente económicamente. A sua mãe foi provavelmente uma das poucas mulheres legalmente divorciadas da sua geração, ficando com os seus 6 filhos a cargo. Talvez por isso, a noção de ser necessário o auto-sustento, sem depender seja de quem for, é algo primário para a minha avó. Durante muito tempo, aliás, inverteram-se os papeis tradicionais e foi também ela que sustentou a casa com os seus trabalhos de custura, que a alfaiataria do meu avô, com o advento do pronto-a-vestir, dava pouco mais que prejuizo. A integração destes dois papeis sempre foi exímia. E muito bem ilustrada pelo facto de, sempre que recebia dinheiro, a minha avó ter o cuidado de colocar, sorrateiramente, parte dele na carteira do meu avô. Para que sempre tivesse algum "para as suas coisas" e não se sentisse humilhado tendo que pedir.

Agora, comigo, exige-me que seja igual. A culpa do João não comer fruta é minha, que não lhe descasco. E corro também sérios riscos de ele sofrer uma grave desilusão se não lhe fizer jantar nos dias em que chega mais tarde e em que, por isso mesmo, tenho mais trabalho com os miúdos. Ele talvez exija o divórcio por eu lhe sugerir que traga um frango demasiadas vezes. Por outro lado acha que a minha insistência anual para ir à pendura ao Lés a Lés é injustificada. Eu devia era tirar a carta de moto e fazer equipa com ele, em pé de igualdade.

Tenho genuina pena em desiludi-la. Não só tenho medo de conduzir uma moto como acho que, não é que tenha direito de o exigir, é claro, mas não acho descabido que o João me descasque uma fruta a mim.

8 de fevereiro de 2008

CV

Estive a avaliar CVs de candidaturas a um projecto de uma empresa com que colaboro pontualmente. Foi a primeira vez que me vi neste papel de escolha. Procura-se alguém que, para além da formação técnica ou científica adequada, possua alguma articulação verbal, que a ideia é os candidatos elaborarem candidaturas a financiamentos pelo novo quadro comunitário.

Percebi rápidamente que não tenho os mesmo critérios na avaliação de capacidade de escrita que a pessoa que seleccionava os CVs comigo, que é também o principal impulsionador deste projecto. "Este não, só tem média de 14", diz ele. "Mas fez um curso de escrita criativa e tudo, olha lá, é capaz de ser interessante". "Mas só tem média de 14". E pronto, fica arrumado, porque a experiência diz-lhe que os bons alunos são mais articulados, mais organizados e mais responsáveis. É capaz de ter razão, eu sou novata nisto. Mas ainda assim acho que o fazer um curso de escrita criativa diz mais sobre a relação de alguém com as letras que aquele número com que se termina o curso.

Mas o pior veio depois. "1975? Esta está em idade reprodutora...", diz enquanto torce o nariz. "E não trabalha desde Junho do ano passado? É de certeza casada e deve estar em casa com a prole". Primeiro fiquei surpresa - que o tenho em boa conta - e depois incomodada. Disse-lhe que sobre os rapazes não fazia comentários à idade e ao estado civil e que estava a achar aquilo preconceituoso, e que são estas coisas o mal da sociedade que temos. Ainda tinha mais argumentos, mas não tive tempo, terão que ficar para outra altura. É que tenho sempre que sair às 5, sem falta, para conseguir ir buscar os miúdos à escola.