28 de dezembro de 2007

Passado, presente e futuro

No meio de arrumações encontro os meus antigos livros de pano com dedicatória do meu avô. "Para a Joana no seu primeiro aniversário como lembrança de seus avós Belém e Celina". Numa letra certinha que ainda hoje é a minha inveja. O meu avô deixava dedicatórias em tudo o que oferecia. Deu-me uma garrafa de vinho do Porto de presente de baptismo com dedicatória e instruções para apenas a abrir no dia do meu casamento. Quando era miúda costumava namorá-la. Volta e meia ia buscá-la ao bar e pedia-lhe para me ler o que estava escrito. "E se não me casar?". "Se não casares abres no dia em que fizeres 35 anos". Memorizei isto. Aos 35 estaria, portanto, oficialmente encalhada.

Durante quase toda a adolescência achei que a tal garrafa seria aberta aos 35. Era esse o meu destino. Imaginava-me como aquela mulher da Laranja Mecânica: só, numa casa cheia de gatos e a estátua de uma pila no aparador. Volta e meia tomaria chá com a minha prima Marta que teria ficado para tia como eu. Mas o João apareceu. Tenho os miúdos. Só tive um gato durante 15 dias. E a minha prima entretanto morreu. Quanto à estatueta fálica, nunca encontrei nenhuma que gostasse. Se vir alguma assim de inspiração Cutileiro talvez a compre e coloque perto do "Anjo caído", nú, que tenho numa das paredes, para completar a desaprovação da minha avó. Já hoje me diz "Ele está bem feitinho, tem os pés e as mão muito bem feitinhos... Mas estar assim logo com o rabo virado para a porta, para quem entra... Não sei, não gosto". É assim que recebemos os amigos lá em casa.

Agora deixei-me de imaginar futuros. No máximo dos máximos imagino alguns meses adiante, alguma disponibilidade a mais, as férias de Verão, mas mais não. Talvez porque já não recebo prendas com dedicatórias, intruções e "para sempre".

20 de dezembro de 2007

A festa

Quando era miúda levava as festas de Natal da escola muito a sério. Lembro-me de uma vez em que era suposto dançar num rancho. A professora só quis ensaiar meninos que tivessem a certeza absoluta que iriam à festa. Repetia isso todos os dias. "Tens a certeza que vais? Já falaste com os teus pais?". Eu tinha.

Na véspera do dia marcado passei a noite em branco com uma dor de dentes. Dormi aos soluços, no dia seguinte, sempre a pedir à minha mãe que me levasse à festa nos intervalos. Tinha que lá estar, tinha um compromisso. Não me levou. Passei o resto do fim-de-semana sem saber como encarar a professora depois de tanta garantia dada. Chegou segunda-feira e ninguém me disse nada. Não sei se por palavra prévia dos meus pais, se porque realmente não era importante para ela. Eu era só mais uma aluna e era só mais uma festa na escola. Mas foi a primeira vez, que me lembre, que senti o peso de faltar à minha palavra. E a impotência de não depender de mim a decisão de ir ou não ir.

Não sei se todos os miúdos encaram as coisas assim. Suspeito que não. Mas lembro-me sempre disto quando se trata, agora, das festas dos meus filhos. Sei lá eu avaliar o empenho, a expectativa, que por ali vai. Há que corresponder.

E depois, convenhamos, também há expectativas do lado de cá. Não há programa alternativo que supere a minha estrelinha amarela, parado no meio do palco, a procurar-nos com os olhos enquanto tira um macaco do nariz. É de derreter qualquer mãe.

10 de dezembro de 2007

Amarelo

Blusa amarela e collants amarelos. Foi o recado que recebi relativamente à indumentária do Pedro para a festa da escola. Vai ser uma estrelinha, digo eu. Ele não se descose.

Mas não existem collants amarelos. Provavelmente já o saberia se fosse mãe de uma menina, como me demonstrou o ar incrédulo da minha vizinha quando lhe perguntei se tinha uns collants amarelos que me emprestasse. "É que não há em loja nenhuma", disse-lhe eu. "Pois, amarelo não existe", disse-me ela. Esta certeza confirmou-me que é um mal de que padecem as lojas em permanência, não é coisa desta estação. Existem escaparates de collants, com um dégradé de cores que, desconfio, algumas nem diferem nas suas propriedades espectrais, apenas na saturação. Mas do créme salta-se para o laranja sem comprimentos de onda intermédios.

Comprei uns brancos. Coloquei numa panela com água a ferver e uma pitada de açafrão. Os gestos mecânicos de quem está ao fogão fizeram-me provar o caldo e notar que estava insonso. Juntei sal, portanto. Ficaram bons. Amarelo torrado e a cheirar a Arroz à Valenciana. Não sei de onde vem isso de que o amarelo é de mau gosto.

5 de dezembro de 2007

Outra vez a Área de Broca

Tive uma reunião com a professora do Pedro. Desde o princípio do ano que me encho de expectativas com o método pedagógico construtivista, baseado no Movimento Escola Moderna, que encontrei ao virar da minha esquina, no Jardim de Infância do Centro Social da Musgueira. Na Wikipédia até lhe chamam "pedagogia libertária". E "libertária" deve ser uma das minhas palavras preferidas.

Gostei de ver o trabalho destes 3 meses, os registos escritos da evolução oral do Pedro. Está tudo apontado assim, tal e qual como ele diz, "Eu fazi", "Eu não sabo". Vejo que no início escolhia sempre ir fazer construções e que agora já diversifica mais as suas actividades. E também explica melhor o que quer fazer, ou o que fez ou não fez. Trouxe também uma centena de fotografias para casa. Se ele sair a mim, as memórias ser-lhe-ão preciosas e, quando for crescido, vai gostar de ver estes registos de "quando era pequenino".

Há também o portfolio. Uma espécie de selecção de trabalhos ou fotografias feita por ele, a professora e os pais. Escolhemos o que queremos para o portfolio e dizemos porquê. Eu escolhi uma pintura de uns cactos. "Porque... é assim... não sei. É giro mas também porque... é organizado. Não sei explicar... Tá a perceber? É assim, ele queria fazer um cacto e fez, e não fez outra coisa. Não sei. E é giro. Percebe?". O que eu queria dizer é que aquela pintura me parecia ter sido uma actividade muito estruturada para ele. Pintou uns cactos, com todos os seus detalhes, com os picos e as flores. E que, ainda que seja importante a imaginação, não andou a pintar crocodilos, ou nuvens, ou formigas, ou outras coisas que não têm nada a ver com cactos, porque não era esse o objectivo da actividade. Era isto que eu queria dizer. Tinha sido uma tarefa estruturada. O meu discurso é que não foi nada estruturado. Quando me li na folha branca de word, corei de vergonha. E juro que se vir por aí um desses cursos de técnicas de debate ou algo que o valha, inscrevo-me imediatamente!