23 de julho de 2007

Memórias

Sei nomes e detalhes da vida dos meus bisavós. Só há pouco me apercebi de quão preciosa é esta memória. Que não a partilho sequer com o meu irmão que ouviu, em criança, as mesmas histórias que eu. Ao que parece, nem os nomes é comum conhecer-se. Para que não me esqueça, ficam aqui.

João e Joaquina. Ele trabalhava na CP, era chefe de uma estação, não lembro qual. Teve 8 filhos, sete meninas e um rapaz. A última menina, de uma outra mulher. Ela, ainda a conheci como "avó Quina". Era comerciante. Divorciou-se e ficou com 6 filhos, uma das meninas - Noémia - morreu na infância. São os pais da minha avó Celina que herdou o nome de uma Celine, francesa, que apareceu em Portugal à procura de um ex-soldado do CEP, desertor a quem tinha salvo a vida, e que a tinha deixado grávida em França. Casaram e tiveram mais filhos. Vou pedir à minha avó que me conte de novo esta história.

António e Angelina. Ele, alfaiate em Évora. Boa pessoa. Tranquilo. Ela, dona de casa, a força do casal. Após a morte dele e doença dela esperava-se que a filha, também Angelina, se mantivesse em casa para cuidar do irmão solteiro, pintor, bon vivant, irmão do meu avô. Angelina casou já depois dos 40. São os pais e irmãos do meu avô Belém, também alfaiate em Évora, casado com a minha avó Celina.

Eurico e Clotilde. São os que conheço pior. Ele governador, algures em África. Ela, mulher do Sr. Governador. São os pais da minha avó Raquel.

Adriano e Regina. Não sei a profissão dele. Comprava sempre o João Ratão ao meu pai e fazia colecção de bilhetes de eléctrico capicua. Ela, uma mulher de armas. Admirada pelo meu pai. Odiada por outros. O seu doce de ovos era, consensualmente, o melhor alguma vez provado. São os pais do meu avô Adriano, o único que não conheci. Morreu aos 49 anos, deixando 7 filhos, entre os quais o meu pai com 14 anos e Manel com 14 meses.

18 de julho de 2007

How to write consistently boring scientific literature

"Hell - is sitting on a hot stone reading your own scientific publications"
Erik Ursin, fish biologist

Para quem se sente castrado no estilo, é bom saber que há quem lute contra a silenciosa obscurantização das publicações científicas. É que os títulos dos posters não chegam para exercício de criatividade.

O artigo completo, aqui. Obrigada Ana.

17 de julho de 2007

O gordo

Pesado e medido ontem. Tenho, oficialmente, um filho gordo.

Sai à mãe.

O milagre da multiplicação

Esta planta deu-se muito bem em minha casa. Tão bem, tão bem, que o peso do seu feliz crescimento causou a rotura entre o exuberante rebento e o tronco-mãe.

Mas como estas rebeldias de filhos nem sempre auguram futuros promissores achei melhor ajudá-la. Dei-lhe água e espero que crie raízes para se tornar, de facto, independente.

Entretanto a mãe, sem o peso de filho tão exigente, renovou energias para dois novos rebentos.

O sexo é importante. Sem variabilidade genética lá se ia a evolução das espécies. Mas não há dúvida que não há melhor que a reprodução vegetativa quando queremos encher a casa de verde.

11 de julho de 2007

Oniricismos

Um anfiteatro cheio de gente que não me deixa começar. As interrupções são constantes. Por fim, farto-me, ponho toda a gente na rua e fecho a porta atrás de mim. O júri perfila-se à minha frente. De repente, apercebo-me que não havia preparado uma apresentação, não tenho uma cópia da tese ou qualquer documento de apoio. Só me faltava ter vindo nua para me sentir mais desamparada. Respiro fundo e sinto o nervoso a crescer.

"Planos para o futuro?", pergunta o Rui. "Futuro? E não me fazem perguntas sobre a tese? Não há discussão?". "Bom, eu tenho umas boas perguntas para fazer, mas acho que te vais enterrar, não sei se não é melhor saltar essa parte...", diz o Eduardo B., procurando a confirmação dos restantes. "Sim, se calhar é melhor", concordam. Estão a ser benevolentes com a minha mediocridade.

O Rui mostra-me, então, um filme sobre babywearing. "Estás a sugerir, para o meu futuro, ficar a cuidar dos filhos em casa?", pergunto. Afinal não. Era uma introdução para uma prenda de graduação que me queria oferecer: um porta-bebés de pano que tinha usado quando os filhos eram pequenos. O padrão era camuflado militar.


Começou. Este foi o primeiro pesadelo sobre a defesa da tese. Vou passar um Agosto mal dormido, já percebi.

A análise amadora do sonho não me traz grandes revelações. Tenho um inconsciente demasiado óbvio.

- Definitivamente, não quero ninguém a assistir. Estou farta de propagandear este meu desejo mas dizem-me sempre que me vão "apoiar". Talvez se contar que fazem parte dos meus pesadelos me levem mais a sério.

- Tenho medo dos comentários do Eduardo B. Também já sabia. Se assim o entender cilindra-me rapidamente. Já lhe disse que tinha medo dele. Diz que tem que ser duro pois tem a reputação a manter.

- Acho a minha tese mediocre. Conheço-lhe os buracos todos. Provavelmente cairei em algum.

- O babywearing é uma actividade demasiado presente na minha vida, ultimamente. Gostaria de ter porta-bebés com novos padrões. Mas não em camuflado.

- O Rui tem tiques que lhe ficaram dos tempos da tropa em Mafra. Já todos sabemos que se tivéssemos feito a recruta como ele consideraríamos as condições de trabalho que temos um luxo que não merecemos.

9 de julho de 2007

Manel

Em Outubro morreu um tio meu. Um tio ainda jovem. Tão jovem que eu nem chamava tio. Era o Manel. Morreu. Foi morto! No Brasil. E o meu irmão por lá, com ele, em viagem.

Atendo o telefone. A minha mãe diz-me de chofre "Aconteceu uma desgraça, mataram o Manel". Lembro-me bem das palavras. Do resto lembro-me menos. Os detalhes "não parece ter sido assalto, não se sabe, estava no banho, entrou um homem de capuz". E eu a pensar "Isso não me interessa, porque me contas agora? E o Adriano? O Adriano? O Adriano?". O Adriano estava bem, era óbvio. Se não estivesse eu não teria mãe em condição de contar detalhes. Mas carecia de confirmação que as deduções levam tempo.

Se falo nisto hoje é porque ouvi ontem uns ecos da investigação. Surpreendentemente, continua aberta, parece. Continuo sem sentir qualquer curiosidade pelos detalhes do crime. Se não me fosse tão próximo talvez sentisse. Prefiro não saber a razão do que descobri-la mesquinha, como provavelmente é, e facilmente evitável. Não me interessa quem o fez. Um pobre de espírito qualquer. Nem sequer desejo que lhe cresça a consciência e viva o tormento da culpa. Que isso é humanizá-lo. Espero que seja preso, mas não preciso de saber que o foi. Para mim o assunto abriu-se e encerrou-se com a morte do Manel. Remexer traz inquietude. É melhor descansar em paz.

6 de julho de 2007

A vida em BD #4

E o bibe? Não há maior castração à sua individualidade do que ter que pôr bibe!

5 de julho de 2007

Despedidas

No ano que vem o Pedro vai para outra escola. Deixa a pequena creche do Centro Paroquial para o Bem-estar Social de Alfama, para onde vai o Luis, e vai para o Jardim de Infância do Centro Social da Musgueira, ao pé de casa.

Apesar de separados é melhor para nós. Levando só um posso ir de autocarro e metro e deixar o carro na garagem - já me sinto cansada do trânsito! Sendo ao pé de casa, qualquer um de nós o pode ir levar ou buscar e isto é essencial se a vida correr como espero. É mais barato. Tem mais espaço para brincar. As instalações serão novas, as obras já se iniciaram. E, acima de tudo, o projecto pedagógico é admirável e deixa-me entusiasmada.

Esta semana oficializou-se a inscrição e hoje de manhã disse na escola antiga que o Pedro não voltaria para o ano.

Estou a chorar convulsivamente desde então.

3 de julho de 2007

Sociedade de consumo

A reparação do frigorífico sai a pouco menos do que um novo. Se lhe juntar uma reparação anterior, de há uns meses atrás, sai ao mesmo preço. E se decobrissem mais qualquer coisinha estragada, de modo a que optasse, a posteriori, por um novo, então pagaria uma taxa de recusa de orçamento de qualquer coisa como setenta e tal euros.

Mais comprar um novo.

Mais o risco de nova avaria para breve, sem garantia.

Vou comprar um novo, portanto. Maior, mais adequado a uma família de quatro. E que fique ali quietinho na cozinha, agora que temos uma casa grande. Afinal, este, o velho, passou por 2 mudanças e 3 casas diferentes.

Isto digo eu para me sentir justificada. Este só tinha 5 anos! Não é envelhecimento precoce? Parece que não. Segundo o técnico de reparações é a idade média dos electrodomésticos. É também a opinião da Clara e da minha vizinha da frente. "Mas a máquina de lavar da minha mãe lavou fraldas do meu irmão que já tem 30 anos!", digo eu. "E o frigorífico é o mesmo desde que me lembro!". "Eram outros tempos, outro material, minha senhora...", diz-me o técnico.

Mais do que o dinheiro que vou gastar deprime-me viver nestes tempos. Ou, antes, que estes tempos sejam assim, descartáveis.

Por isso, no Domingo, na FIA, quase me comovi ao ver a transformação de uma embalagem de sumo em carrinho para brincadeiras. Era um workshop da Oficina ReCriativa. Parece que em 2 horas podemos aprender a fazer brinquedos da maioria do desperdício doméstico.

E reparo, a sério que reparo, que o Pedro (ainda) diz "Mãe, arranja" e não "Mãe, compra outro". É claro que se eu medir a qualidade dos produtos de hoje pelo tempo médio que ele leva a proferir estas palavras não tenho motivos para me animar.

2 de julho de 2007

Choque de realidade

Uma semana de férias no sotavento Algarvio (obrigada Pedro e Vera): praia, mergulhos no mar, miúdos cansados com cores de quem brinca "lá fora" e matadas as saudades da Ria Formosa.

No regresso a casa: o aborrecimento latente de ter que desfazer as malas, arrumar a roupa e pôr máquinas a lavar.

À chegada: a cozinha alagada, o frigorífico e congelador quentes como o dia lá fora, a comida estragada.

Pronto, estou de volta.