O Pedro lamentava-se ontem por não ser castanho como o melhor amigo. "Para ser bonito como o Márcio", dizia-me. "E quero o cabelo, também, castanho escuro e que não cresce". São os dois bonitos. Pequeninos, irrequietos e com os olhos grandes. Nisso até são parecidos. E as cores, expliquei-lhe, dependem das cores dos pais e não há forma de mudar. Ou razão para o fazer.
A minha avó atalhou uma explicação que lhe pareceu mais simples, mais adequada à idade: "O teu amigo é mais castanho porque vai muito à praia e passa muito tempo ao sol. Tens que apanhar sol para ficar mais como ele". Aquilo irritou-me. Percebo-lhe a intenção e sei que não há malícia. Mas o discurso encerra uma opção por defeito: ser claro. A pele escura é uma variante que se alcança se apanharmos sol. São estas subtilezas, estas simplificações infantis, que constroem o preconceito. Que pode não encerrar ódio, nem ser mal intencionado, mas que não deixa de ser um preconceito. Um pré-conceito, aliás, o verdadeiro sentido do termo. Uma pessoa, um ser-humano, tem a pele clara. Tudo o resto é construído sobre esta imagem. Como as bonecas de papel que se podem vestir com diferentas peças de roupa que recortamos. Ou colorir, se a quisermos de cor diferente do original.
Será um pré-conceito geográfico, talvez. Aceito isso e espero que os antípodas equilibrem as coisas. E que as avós do hemisfério Sul alvitrem a falta de sol, aos seus netos, como explicação para a pele leitosa dos que vivem por estas bandas. Mas dado o historial do mundo acho, o nosso, um pré-conceito perigoso. E espero que os meus filhos o adiquiram tão tarde quanto possível. A par da racionalização, da noção de geografia, de proporções, de culturas. Para que saibam que é assim aqui, mas que não é assim em todo o lado. E nisto estou contente com a escola que escolhi para eles. Ali não se insinuam defaults.