Estive a avaliar CVs de candidaturas a um projecto de uma empresa com que colaboro pontualmente. Foi a primeira vez que me vi neste papel de escolha. Procura-se alguém que, para além da formação técnica ou científica adequada, possua alguma articulação verbal, que a ideia é os candidatos elaborarem candidaturas a financiamentos pelo novo quadro comunitário.
Percebi rápidamente que não tenho os mesmo critérios na avaliação de capacidade de escrita que a pessoa que seleccionava os CVs comigo, que é também o principal impulsionador deste projecto. "Este não, só tem média de 14", diz ele. "Mas fez um curso de escrita criativa e tudo, olha lá, é capaz de ser interessante". "Mas só tem média de 14". E pronto, fica arrumado, porque a experiência diz-lhe que os bons alunos são mais articulados, mais organizados e mais responsáveis. É capaz de ter razão, eu sou novata nisto. Mas ainda assim acho que o fazer um curso de escrita criativa diz mais sobre a relação de alguém com as letras que aquele número com que se termina o curso.
Mas o pior veio depois. "1975? Esta está em idade reprodutora...", diz enquanto torce o nariz. "E não trabalha desde Junho do ano passado? É de certeza casada e deve estar em casa com a prole". Primeiro fiquei surpresa - que o tenho em boa conta - e depois incomodada. Disse-lhe que sobre os rapazes não fazia comentários à idade e ao estado civil e que estava a achar aquilo preconceituoso, e que são estas coisas o mal da sociedade que temos. Ainda tinha mais argumentos, mas não tive tempo, terão que ficar para outra altura. É que tenho sempre que sair às 5, sem falta, para conseguir ir buscar os miúdos à escola.