28 de dezembro de 2007

Passado, presente e futuro

No meio de arrumações encontro os meus antigos livros de pano com dedicatória do meu avô. "Para a Joana no seu primeiro aniversário como lembrança de seus avós Belém e Celina". Numa letra certinha que ainda hoje é a minha inveja. O meu avô deixava dedicatórias em tudo o que oferecia. Deu-me uma garrafa de vinho do Porto de presente de baptismo com dedicatória e instruções para apenas a abrir no dia do meu casamento. Quando era miúda costumava namorá-la. Volta e meia ia buscá-la ao bar e pedia-lhe para me ler o que estava escrito. "E se não me casar?". "Se não casares abres no dia em que fizeres 35 anos". Memorizei isto. Aos 35 estaria, portanto, oficialmente encalhada.

Durante quase toda a adolescência achei que a tal garrafa seria aberta aos 35. Era esse o meu destino. Imaginava-me como aquela mulher da Laranja Mecânica: só, numa casa cheia de gatos e a estátua de uma pila no aparador. Volta e meia tomaria chá com a minha prima Marta que teria ficado para tia como eu. Mas o João apareceu. Tenho os miúdos. Só tive um gato durante 15 dias. E a minha prima entretanto morreu. Quanto à estatueta fálica, nunca encontrei nenhuma que gostasse. Se vir alguma assim de inspiração Cutileiro talvez a compre e coloque perto do "Anjo caído", nú, que tenho numa das paredes, para completar a desaprovação da minha avó. Já hoje me diz "Ele está bem feitinho, tem os pés e as mão muito bem feitinhos... Mas estar assim logo com o rabo virado para a porta, para quem entra... Não sei, não gosto". É assim que recebemos os amigos lá em casa.

Agora deixei-me de imaginar futuros. No máximo dos máximos imagino alguns meses adiante, alguma disponibilidade a mais, as férias de Verão, mas mais não. Talvez porque já não recebo prendas com dedicatórias, intruções e "para sempre".

20 de dezembro de 2007

A festa

Quando era miúda levava as festas de Natal da escola muito a sério. Lembro-me de uma vez em que era suposto dançar num rancho. A professora só quis ensaiar meninos que tivessem a certeza absoluta que iriam à festa. Repetia isso todos os dias. "Tens a certeza que vais? Já falaste com os teus pais?". Eu tinha.

Na véspera do dia marcado passei a noite em branco com uma dor de dentes. Dormi aos soluços, no dia seguinte, sempre a pedir à minha mãe que me levasse à festa nos intervalos. Tinha que lá estar, tinha um compromisso. Não me levou. Passei o resto do fim-de-semana sem saber como encarar a professora depois de tanta garantia dada. Chegou segunda-feira e ninguém me disse nada. Não sei se por palavra prévia dos meus pais, se porque realmente não era importante para ela. Eu era só mais uma aluna e era só mais uma festa na escola. Mas foi a primeira vez, que me lembre, que senti o peso de faltar à minha palavra. E a impotência de não depender de mim a decisão de ir ou não ir.

Não sei se todos os miúdos encaram as coisas assim. Suspeito que não. Mas lembro-me sempre disto quando se trata, agora, das festas dos meus filhos. Sei lá eu avaliar o empenho, a expectativa, que por ali vai. Há que corresponder.

E depois, convenhamos, também há expectativas do lado de cá. Não há programa alternativo que supere a minha estrelinha amarela, parado no meio do palco, a procurar-nos com os olhos enquanto tira um macaco do nariz. É de derreter qualquer mãe.

10 de dezembro de 2007

Amarelo

Blusa amarela e collants amarelos. Foi o recado que recebi relativamente à indumentária do Pedro para a festa da escola. Vai ser uma estrelinha, digo eu. Ele não se descose.

Mas não existem collants amarelos. Provavelmente já o saberia se fosse mãe de uma menina, como me demonstrou o ar incrédulo da minha vizinha quando lhe perguntei se tinha uns collants amarelos que me emprestasse. "É que não há em loja nenhuma", disse-lhe eu. "Pois, amarelo não existe", disse-me ela. Esta certeza confirmou-me que é um mal de que padecem as lojas em permanência, não é coisa desta estação. Existem escaparates de collants, com um dégradé de cores que, desconfio, algumas nem diferem nas suas propriedades espectrais, apenas na saturação. Mas do créme salta-se para o laranja sem comprimentos de onda intermédios.

Comprei uns brancos. Coloquei numa panela com água a ferver e uma pitada de açafrão. Os gestos mecânicos de quem está ao fogão fizeram-me provar o caldo e notar que estava insonso. Juntei sal, portanto. Ficaram bons. Amarelo torrado e a cheirar a Arroz à Valenciana. Não sei de onde vem isso de que o amarelo é de mau gosto.

5 de dezembro de 2007

Outra vez a Área de Broca

Tive uma reunião com a professora do Pedro. Desde o princípio do ano que me encho de expectativas com o método pedagógico construtivista, baseado no Movimento Escola Moderna, que encontrei ao virar da minha esquina, no Jardim de Infância do Centro Social da Musgueira. Na Wikipédia até lhe chamam "pedagogia libertária". E "libertária" deve ser uma das minhas palavras preferidas.

Gostei de ver o trabalho destes 3 meses, os registos escritos da evolução oral do Pedro. Está tudo apontado assim, tal e qual como ele diz, "Eu fazi", "Eu não sabo". Vejo que no início escolhia sempre ir fazer construções e que agora já diversifica mais as suas actividades. E também explica melhor o que quer fazer, ou o que fez ou não fez. Trouxe também uma centena de fotografias para casa. Se ele sair a mim, as memórias ser-lhe-ão preciosas e, quando for crescido, vai gostar de ver estes registos de "quando era pequenino".

Há também o portfolio. Uma espécie de selecção de trabalhos ou fotografias feita por ele, a professora e os pais. Escolhemos o que queremos para o portfolio e dizemos porquê. Eu escolhi uma pintura de uns cactos. "Porque... é assim... não sei. É giro mas também porque... é organizado. Não sei explicar... Tá a perceber? É assim, ele queria fazer um cacto e fez, e não fez outra coisa. Não sei. E é giro. Percebe?". O que eu queria dizer é que aquela pintura me parecia ter sido uma actividade muito estruturada para ele. Pintou uns cactos, com todos os seus detalhes, com os picos e as flores. E que, ainda que seja importante a imaginação, não andou a pintar crocodilos, ou nuvens, ou formigas, ou outras coisas que não têm nada a ver com cactos, porque não era esse o objectivo da actividade. Era isto que eu queria dizer. Tinha sido uma tarefa estruturada. O meu discurso é que não foi nada estruturado. Quando me li na folha branca de word, corei de vergonha. E juro que se vir por aí um desses cursos de técnicas de debate ou algo que o valha, inscrevo-me imediatamente!

27 de novembro de 2007

Menino Jesus

Chegou ontem, inesperadamente, enquanto eu descascava batatas para o jantar. Recebi um telefonema da Vera, contente com a sua prenda, e precipitei-me para o e-mail para ver se lá estava a minha, ou se me tinha calhado carvão. É que nem sempre sou bem comportada.

Mas o Menino Jesus foi bonzinho e deu-me uma a mim também.

23 de novembro de 2007

Descanse em paz

O meu telemóvel custou-me uma brutalidade. Sessenta contos. Parece-me mais obsceno hoje do que no dia em que os paguei com uma ligeireza que já não conheço, que não sei já bem quando foi, mas sendo contos deve ter sido há uns 7 anos. Não há como a subtracção de uma bolsa da FCT e a adição de 2 filhos e uma prestação bancária para relativizar estas coisas.

É um NOKIA qualquer coisa. Preto. Esguio. Mas de tamanho adequado à minha mão: não carrego desajeitamente em duas teclas quando tento marcar um número como me acontece com alguns dos diminutos modelos mais recentes. Estava afeiçoada a ele. Principalmente desde que lhe coloquei fita-cola para manter a bateria bem presa e não perder as chamadas a meio. Olhava-o e via ali um fiel companheiro. Vivido, com histórias. Que descanse em paz.

Agora fiquei com o do João. Custou-me esta decisão. Este, coitado, não tem a altivez do outro. É pequeno, atarracado. Nunca acerto na tecla para atender as chamadas quando o procuro no reboliço que é a minha mala. Perco imensas. Tem algumas feridas de guerra que me fazem olhá-lo com carinho. Mas não são cicatrizes feitas na minha mão, não lhes conheço os detalhes. Quem sabe, daqui a uns anos, serei capaz de um elogio fúnebre mais sentido.

Têm-me perguntado pelo número. Mantenho o antigo ou mudo-me definitivamente para o novo? Curiosamente não sinto o mesmo afecto pelo número como pelo objecto. O que me permite estar contactável há tantos anos, o cartão, parece-me mais fácil de deixar para trás. Principalmente estando todos os meus contactos na memória do telefone.

Começo, portanto, uma nova lista. Digo assim, de forma passiva, adeus a contactos antigos que não tive coragem de apagar. Como o do Luis. E o do meu avô.

14 de novembro de 2007

Um copo d'água

Num café onde parei ocasionalmente, como em tantos outros, um rapaz entrou e pediu um copo de água. Pela primeira vez na vida ouvi, pasma, as razões de um comerciante para não aceder ao pedido. Que vendia era garrafas de água, não era copos. Que estava ali desde as 5 da manhã. Que ninguém trabalha de graça. Se acaso sabia qual a sua conta de água mensal. Quando por fim, de forma bruta, colocou o copo cheio no balcão o rapaz já não o quis. Saiu ofendido. Fez ele bem. Tanto veneno espumado, algum havia de ter caído ao copo.

Tristes tempos, estes, em que se nega um copo de água. É o que penso e foi o que disse. Foi algo do género, também, que lhe disse uma senhora de idade a terminar um galão e uma torrada. Era cliente habitual e nunca mais lá iria. À saida mostrou-me que levava, à revelia, o pacote de açucar não utilizado, "para ele aprender!".

O rapaz, esse, passou depois à porta com uma garrafa de água fresca comprada no café seguinte.

Coitado do senhor do café! Para além de paupérrimo de espírito, ficou mais pobre em três potenciais clientes, uma garrafa de água, e um pacote de açúcar.

31 de outubro de 2007

Musgueira

Ontem cheguei mais tarde ao Lumiar. Já eram 8 da noite. O frio fez-me desistir de esperar uma boleia do João, ainda algures no centro de Lisboa, e plantar-me na paragem à espera do 108, o único que por ali passa e me carrega Estrada da Torre acima, por 2 ou 3 paragens. Costuma dizer "Galinheiras" em letras grandes e alterna com "via Alta de Lisboa", em mais pequeno. O 777 também é assim, o "via Alta de Lisboa" surge nos intervalos de "Ameixoeira". Aos poucos, começa a ser destino de gentes, a Alta de Lisboa. A palavra "via" dá-lhe ainda uma certa ideia de local por onde se passa, e onde se pode morar, sem ser, no entanto, um destino final, periférico, como o que fica implícito em "Galinheiras", "Ameixoeira", "Senhor Roubado". Penso nestas coisas enquanto escrutino o destino dos autocarros que se aproximam, na esperança do 108 que me tire do frio da rua.

Mas às 8 da noite, descobri eu ontem, passam na minha paragem mais autocarros do que o 108. Às 8 da noite, muitos dos números que por aí andam com destinos centrais como o "Saldanha", transformam-se qual carruagem em abóbora, mudam o letreiro para "Musgueira" e recolhem à garagem para passar a noite. Alguns deles, já fora de serviço, tornam-se nesta altura mais solidários e transportam sem perguntas quem espera para subir a Torre. Foi assim que ontem embarquei num qualquer que dizia "Musgueira". Lembra-me encostas viradas a Norte e manhãs frias de nevoeiro. Fez-me sentir que rumava a um local com histórias e memórias. Senti um certo conforto nisso.

Pergunto-me se qualquer dia os letreiros da Carris trocarão definitivamente "Musgueira" por "Alta de Lisboa", esconjurando assim os antigos fantasmas. Espero que não. Não é o hábito que faz o monge e "Musgueira" é um hábito tão mais bonito.

24 de outubro de 2007

Super

Volta e meia penso nisto.

Nas salas de espera folheio revistas com mulheres de negócios elegantes, com ar de quem acabou de fazer um mês de férias nos antípodas, envergando modelos da última colecção e com o discurso de que não há nada mais importante do que os seus filhos, nada que lhes roube o justo tempo com eles. E gostam também muito de cozinhar, levantar-se às 5 da manhã e ir pessoalmente comprar pão ainda quente para tomarem o pequeno-almoço à mesa, todos juntos, em família. Leio-as com algum sentimento de desadequação. Afinal eu só sou mais ou menos. Sem carreira que me pague ordenado condigno, sem férias que me descansem, sem tempo para os filhos quando chego a casa, um guarda-roupa algo desadequado a qualquer situação que se apresente, e o meu pequeno-almoço é muitas vezes pão de há 4 dias atrás, em torradas, intervalado com a lavagem de dentes do Pedro ou algum outro afazer doméstico matinal. Pensando bem, sou pior que mais ou menos.

Por isso, volta e meia, penso nisto. E quando conseguimos equilibrar o orçamento mais um mês apesar de só haver um ordenado na família, organizar as idas e vindas de todos com um carro e um passe, levantar cedo ao Sábado para conseguir levar os miudos à natação, participar nos projectos que as escolas vão pedindo, e fazer jantares e almoço para o dia seguinte todos os dias, já me sinto bastante competente. Exausta, acabada, liquefeita, não-super, mas competente.

Super, super, só quando apanho uma molha enquanto carrego o Luis e levo o Pedro pela mão. E chego a casa a coxear por causa de uma bolha no calcanhar. Como ontem. Foi uma bela massagem ao ego, sentir-me assim, super. Estava a precisar.

22 de outubro de 2007

"Vestir o bebé"

O Luis nasceu com o destino traçado: ser pendura. Um irmão apenas 2 anos mais velho exige mãos livres. E para alcançar este feito de andar pela rua com os dois ao mesmo tempo adiquiri no último ano o marsúpio da Red Castle, um sling da Rosa Pomar, outros feitos pela minha avó, e ainda um do Clube do Pano que uso ultimamente por distribuir melhor os 12 quilos de um bebé gordo e feliz. Recomendo-os a todos, cada um melhor para uma ocasião ou fase diferente.

Foi assim, por necessidade, que descobri o babywearing. Hoje tenho pena de não ter descoberto antes, com o Pedro. Porque acalmava o Luis quando chorava, porque criei laços ao carregar o Luis que não criei ao empurrar o Pedro no carrinho, porque me fez descobrir a simplicidade na maternidade - tão escondida, hoje em dia, no meio de tantos acessórios inúteis -, porque existem padrões bonitos que me fazem sentir feminina - afinal não sou apenas mãe - mas, acima de tudo, porque é muito, muito prático. Não só para quem gosta de caminhadas pelo campo. É também a solução para a cidade: para fugir rapidamente de um centro comercial pelas escadas rolantes porque não é preciso esperar pelos elevadores, para ir ao café a pé sem ter que colocar o carrinho no meio da rua por causa dos carros mal estacionados e dos postes de sinais de trânsito plantados no meio do passeio, para ir ao supermercado sózinha e só levar o carrinho das compras, para carregar sacos do carro para casa, para dar uma corrida rápida e escapar de uma molha, para segurar um guarda-chuva que nos protege aos dois ao mesmo tempo, para me equilibrar no metro ou no autocarro até chegar aos lugares reservados. E para dar a mão ao mais velho, claro.

Assim, todos os dias, quando enrolo o Luis junto a mim e saio para a rua, sinto-me dona d'A Solução. Apetece-me partilhá-la. Fazer um workshop. No mínimo, escrever um post.

Só há uma coisa que ainda não sei. É traduzir babywearing. "Vestir o bebé" induz em erro. "Usar o bebé" é dúbio. "Usar o bebé como acessório" é longo demais e não me agrada a ideia subjacente de bebé-objecto. Faltam-nos palavras. Oxalá a falta de verbo em português não limite a acção por estes lados.

8 de outubro de 2007

Comunhão

Quando me sabem de volta aos transportes públicos, e com o Luis como companhia, ouço frequentemente "Coitadinha...". Não sei como explicar que no princípio do mês, ao comprar o passe, sinto quase como se comprasse a minha carta de alforria. O carro é como uma prisão. Sem dúvida mais confortável que um autocarro, mas estar dependente dele oprime-me. O estacionamento, as bichas, angustiam-me. O carro torna-me a vida cinzenta. No autocarro sinto-me em comunhão com a cidade. Faço parte dela. Posso mostrar ao Luis as luzes de Natal que não tardarão a aparecer no centro da cidade ao invés de tentar evitar o trânsito pela periferia. Posso ler as capas dos livros de quem se senta à minha frente, de cada pessoa nova, ao invés dos cartazes publicitários de sempre expostos pela rua. Sinto-me mais exposta à vida... acho que é isso.

4 de outubro de 2007

90

Desde segunda que apanho o 90 para ir trabalhar. Na verdade, há muitos anos que apanho o 90, intervalado por periodos de outras carreiras, de metro, de carro, dependendo das moradas que me têm acolhido. Mas o 90 é dos meus meios de transporte preferidos e fico feliz quando a vida se conjuga de modo a que faça parte do meu dia a dia. É o único que faz a ligação Saldanha - Sta. Apolónia. O único que sabe que, chegado à Praça do Comércio, existe destino à esquerda. Que nem toda a gente quer ir para o Cais de Sodré. Ou que, chegado à Fontes Pereira de Melo, há quem queira ir em frente.

Há anos atrás reduziram o número de carreiras. Agora, o 90 só trabalha em part-time de manhã e ao final da tarde. E, ouvi dizer, até ao final do ano será terminado o percurso. Não serve de nada escrever à Carris e testemunhar o meu carinho pelo 90, a falta que me fará. Quando o fiz sobre o trajecto final do 108, que foi abruptamente amputado, responderam-me que uma lotação de 30% não justificava a sua manutenção. Eu acho que vinte e poucas pessoas por cada autocarro, quase 100 pessoas por hora, é desconsiderar muita gente. Mesmo que tanta gente sejam só 30%.

1 de outubro de 2007

Área de Broca

Cheguei à conclusão que tenho um problema na Área de Broca. Eu até compreendo bem as coisas, modéstia à parte. Mas verbalizá-las não é comigo. Escrever sim. Mas falar... Devem ser processos neurológicos diferentes, isto de organizar discurso escrito e organizar discurso falado. Tenho que ir ler o Damásio.

Tudo para dizer que o pesadelo de dia 27 já passou. Não estive brilhante, nem nada que se pareça. Pelo menos não pelos meus padrões. Sou melhor do que foi a minha prestação pública. Gostava era que estas provas fossem escritas. Mas lá deu para o doutoramento summa cum laude, que até seria coisa de orgulho, não fosse isto tudo política.

Ainda não sinto nada. Nem alívio, nem contentamento. Pareço um daqueles condenados institucionalizados que não sabem viver cá fora ao fim de tanto tempo encarcerados. No dia seguinte fartei-me de chorar. Fiquei com o dia a dia desprovido de sentido.

Mas hoje, ah hoje!, colhi os primeiros benefícios desta minha graduação. Fui pedir o certificado e, apesar de ser a mais mal vestidinha da fila, com umas calças de ganga desfiadas, blusa da feira e filho mais novo à tiracolo, era só senhora doutora para cá e senhora doutora para lá. Conquistei o respeito de um guichet de atendimento. Até me deu vontade de rir. No banco só não recebo olhares paternalistas quando o João me acompanha dentro do seu fato cinzento. Tenho que lhes mandar uma cópia do certificado. Ou então tenho que passar a vestir-me melhor. Assim é o mundo.

E, só para finalizar, a história realmente digna de ser contada, no fim desta minha odisseia, foi ter recebido no dia 28 a notificação oficial da FCUL para comparecer a provas no dia 27. Assim é o país.

19 de setembro de 2007

Chove

Farta da Lagoa de Santo André escrevo este post enquanto olho pela janela. Chove e troveja. O céu está cinzento e a luz natural é escassa. Tudo nesta imagem, e até o som das ventoinhas do meu portátil, me faz lembrar com saudade o regresso às aulas, em tempos idos.

Hoje trabalho em casa e faço pausas quando me apetece. A minha avó está por cá e traz-me um lanche quando me queixo de fome. Como em frente ao ecran, ou aos livros, como dantes. Torradas e "café da panela".

Esta tarde tenho menos 15 anos. E se o Outono se instalar terei menos 15 anos até ao final do mês. Retorno aos 32 apenas ao final do dia quando saio para buscar o Pedro e faço o jantar ao João.

11 de setembro de 2007

Aceitam-se apostas!

Eu aposto que o Mike vai fazer um pós-doc.

Não sei se ria ou se chore quando me apercebo que toda a minha vida é caricaturada em BD. Sou uma quimera, um cruzamento entre o Mike e a Wanda. E até tenho a Bunny como vizinha.

3 de setembro de 2007

Resposta certa

Por vezes, quando algum assunto me preocupa, ocupo o tempo a construir diálogos imaginários onde digo o que realmente me apetece ou preparo resposta para qualquer eventualidade.*

Há dias tive uma destas discussões com o João. Apesar de imaginária, deixou-me com um mau humor real. Confessei-lhe: "É que tivemos uma discussão na minha cabeça e fiquei mesmo chateada...". Ele: "Desculpa lá o que te disse na discussão, foi sem intenção".

* Isto havia de ser útil para treinar a defesa da tese, mas não funciona quando deve. A propósito, o dia temido é já a 27.

7 de agosto de 2007

Lagoa de Santo André revisited

Há cerca de um mês fiz uma pequeno trabalho para a Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha. Sabia que já havia estado na lagoa de Santo André, em miúda. Dias de praia com os meus primos de Sines. Não sabia e não lembrava mais nada.

Li o Plano de Ordenamento do Território, vi mapas, googlei "lagoa de santo andré", li como estava separada do mar por um "estreito cordão dunar". Construi o meu conhecimento sobre a Lagoa de Santo André no decorrer deste trabalho.

Por fim fui visitá-la. Porque foi preciso. Olhei e, num segundo, vieram-me à memória as recordações e sensações desses dias de infância. Lembrei-me então, claramente, de perguntar pelo meu pai e me dizerem que tinha ido à água, ao mar. De olhar para a água e não o ver e me esclarecerem depois que não, que foi ao mar, do outro lado. E da confusão que foi, durante tanto tempo, na Lagoa de santo André haver água em ambos os lados da praia...

Ao fim de 30 anos sei responder a essa dúvida infantil que já nem lembrava: tínhamos o guarda-sol algures no "estreito cordão dunar".

23 de julho de 2007

Memórias

Sei nomes e detalhes da vida dos meus bisavós. Só há pouco me apercebi de quão preciosa é esta memória. Que não a partilho sequer com o meu irmão que ouviu, em criança, as mesmas histórias que eu. Ao que parece, nem os nomes é comum conhecer-se. Para que não me esqueça, ficam aqui.

João e Joaquina. Ele trabalhava na CP, era chefe de uma estação, não lembro qual. Teve 8 filhos, sete meninas e um rapaz. A última menina, de uma outra mulher. Ela, ainda a conheci como "avó Quina". Era comerciante. Divorciou-se e ficou com 6 filhos, uma das meninas - Noémia - morreu na infância. São os pais da minha avó Celina que herdou o nome de uma Celine, francesa, que apareceu em Portugal à procura de um ex-soldado do CEP, desertor a quem tinha salvo a vida, e que a tinha deixado grávida em França. Casaram e tiveram mais filhos. Vou pedir à minha avó que me conte de novo esta história.

António e Angelina. Ele, alfaiate em Évora. Boa pessoa. Tranquilo. Ela, dona de casa, a força do casal. Após a morte dele e doença dela esperava-se que a filha, também Angelina, se mantivesse em casa para cuidar do irmão solteiro, pintor, bon vivant, irmão do meu avô. Angelina casou já depois dos 40. São os pais e irmãos do meu avô Belém, também alfaiate em Évora, casado com a minha avó Celina.

Eurico e Clotilde. São os que conheço pior. Ele governador, algures em África. Ela, mulher do Sr. Governador. São os pais da minha avó Raquel.

Adriano e Regina. Não sei a profissão dele. Comprava sempre o João Ratão ao meu pai e fazia colecção de bilhetes de eléctrico capicua. Ela, uma mulher de armas. Admirada pelo meu pai. Odiada por outros. O seu doce de ovos era, consensualmente, o melhor alguma vez provado. São os pais do meu avô Adriano, o único que não conheci. Morreu aos 49 anos, deixando 7 filhos, entre os quais o meu pai com 14 anos e Manel com 14 meses.

18 de julho de 2007

How to write consistently boring scientific literature

"Hell - is sitting on a hot stone reading your own scientific publications"
Erik Ursin, fish biologist

Para quem se sente castrado no estilo, é bom saber que há quem lute contra a silenciosa obscurantização das publicações científicas. É que os títulos dos posters não chegam para exercício de criatividade.

O artigo completo, aqui. Obrigada Ana.

17 de julho de 2007

O gordo

Pesado e medido ontem. Tenho, oficialmente, um filho gordo.

Sai à mãe.

O milagre da multiplicação

Esta planta deu-se muito bem em minha casa. Tão bem, tão bem, que o peso do seu feliz crescimento causou a rotura entre o exuberante rebento e o tronco-mãe.

Mas como estas rebeldias de filhos nem sempre auguram futuros promissores achei melhor ajudá-la. Dei-lhe água e espero que crie raízes para se tornar, de facto, independente.

Entretanto a mãe, sem o peso de filho tão exigente, renovou energias para dois novos rebentos.

O sexo é importante. Sem variabilidade genética lá se ia a evolução das espécies. Mas não há dúvida que não há melhor que a reprodução vegetativa quando queremos encher a casa de verde.

11 de julho de 2007

Oniricismos

Um anfiteatro cheio de gente que não me deixa começar. As interrupções são constantes. Por fim, farto-me, ponho toda a gente na rua e fecho a porta atrás de mim. O júri perfila-se à minha frente. De repente, apercebo-me que não havia preparado uma apresentação, não tenho uma cópia da tese ou qualquer documento de apoio. Só me faltava ter vindo nua para me sentir mais desamparada. Respiro fundo e sinto o nervoso a crescer.

"Planos para o futuro?", pergunta o Rui. "Futuro? E não me fazem perguntas sobre a tese? Não há discussão?". "Bom, eu tenho umas boas perguntas para fazer, mas acho que te vais enterrar, não sei se não é melhor saltar essa parte...", diz o Eduardo B., procurando a confirmação dos restantes. "Sim, se calhar é melhor", concordam. Estão a ser benevolentes com a minha mediocridade.

O Rui mostra-me, então, um filme sobre babywearing. "Estás a sugerir, para o meu futuro, ficar a cuidar dos filhos em casa?", pergunto. Afinal não. Era uma introdução para uma prenda de graduação que me queria oferecer: um porta-bebés de pano que tinha usado quando os filhos eram pequenos. O padrão era camuflado militar.


Começou. Este foi o primeiro pesadelo sobre a defesa da tese. Vou passar um Agosto mal dormido, já percebi.

A análise amadora do sonho não me traz grandes revelações. Tenho um inconsciente demasiado óbvio.

- Definitivamente, não quero ninguém a assistir. Estou farta de propagandear este meu desejo mas dizem-me sempre que me vão "apoiar". Talvez se contar que fazem parte dos meus pesadelos me levem mais a sério.

- Tenho medo dos comentários do Eduardo B. Também já sabia. Se assim o entender cilindra-me rapidamente. Já lhe disse que tinha medo dele. Diz que tem que ser duro pois tem a reputação a manter.

- Acho a minha tese mediocre. Conheço-lhe os buracos todos. Provavelmente cairei em algum.

- O babywearing é uma actividade demasiado presente na minha vida, ultimamente. Gostaria de ter porta-bebés com novos padrões. Mas não em camuflado.

- O Rui tem tiques que lhe ficaram dos tempos da tropa em Mafra. Já todos sabemos que se tivéssemos feito a recruta como ele consideraríamos as condições de trabalho que temos um luxo que não merecemos.

9 de julho de 2007

Manel

Em Outubro morreu um tio meu. Um tio ainda jovem. Tão jovem que eu nem chamava tio. Era o Manel. Morreu. Foi morto! No Brasil. E o meu irmão por lá, com ele, em viagem.

Atendo o telefone. A minha mãe diz-me de chofre "Aconteceu uma desgraça, mataram o Manel". Lembro-me bem das palavras. Do resto lembro-me menos. Os detalhes "não parece ter sido assalto, não se sabe, estava no banho, entrou um homem de capuz". E eu a pensar "Isso não me interessa, porque me contas agora? E o Adriano? O Adriano? O Adriano?". O Adriano estava bem, era óbvio. Se não estivesse eu não teria mãe em condição de contar detalhes. Mas carecia de confirmação que as deduções levam tempo.

Se falo nisto hoje é porque ouvi ontem uns ecos da investigação. Surpreendentemente, continua aberta, parece. Continuo sem sentir qualquer curiosidade pelos detalhes do crime. Se não me fosse tão próximo talvez sentisse. Prefiro não saber a razão do que descobri-la mesquinha, como provavelmente é, e facilmente evitável. Não me interessa quem o fez. Um pobre de espírito qualquer. Nem sequer desejo que lhe cresça a consciência e viva o tormento da culpa. Que isso é humanizá-lo. Espero que seja preso, mas não preciso de saber que o foi. Para mim o assunto abriu-se e encerrou-se com a morte do Manel. Remexer traz inquietude. É melhor descansar em paz.

6 de julho de 2007

A vida em BD #4

E o bibe? Não há maior castração à sua individualidade do que ter que pôr bibe!

5 de julho de 2007

Despedidas

No ano que vem o Pedro vai para outra escola. Deixa a pequena creche do Centro Paroquial para o Bem-estar Social de Alfama, para onde vai o Luis, e vai para o Jardim de Infância do Centro Social da Musgueira, ao pé de casa.

Apesar de separados é melhor para nós. Levando só um posso ir de autocarro e metro e deixar o carro na garagem - já me sinto cansada do trânsito! Sendo ao pé de casa, qualquer um de nós o pode ir levar ou buscar e isto é essencial se a vida correr como espero. É mais barato. Tem mais espaço para brincar. As instalações serão novas, as obras já se iniciaram. E, acima de tudo, o projecto pedagógico é admirável e deixa-me entusiasmada.

Esta semana oficializou-se a inscrição e hoje de manhã disse na escola antiga que o Pedro não voltaria para o ano.

Estou a chorar convulsivamente desde então.

3 de julho de 2007

Sociedade de consumo

A reparação do frigorífico sai a pouco menos do que um novo. Se lhe juntar uma reparação anterior, de há uns meses atrás, sai ao mesmo preço. E se decobrissem mais qualquer coisinha estragada, de modo a que optasse, a posteriori, por um novo, então pagaria uma taxa de recusa de orçamento de qualquer coisa como setenta e tal euros.

Mais comprar um novo.

Mais o risco de nova avaria para breve, sem garantia.

Vou comprar um novo, portanto. Maior, mais adequado a uma família de quatro. E que fique ali quietinho na cozinha, agora que temos uma casa grande. Afinal, este, o velho, passou por 2 mudanças e 3 casas diferentes.

Isto digo eu para me sentir justificada. Este só tinha 5 anos! Não é envelhecimento precoce? Parece que não. Segundo o técnico de reparações é a idade média dos electrodomésticos. É também a opinião da Clara e da minha vizinha da frente. "Mas a máquina de lavar da minha mãe lavou fraldas do meu irmão que já tem 30 anos!", digo eu. "E o frigorífico é o mesmo desde que me lembro!". "Eram outros tempos, outro material, minha senhora...", diz-me o técnico.

Mais do que o dinheiro que vou gastar deprime-me viver nestes tempos. Ou, antes, que estes tempos sejam assim, descartáveis.

Por isso, no Domingo, na FIA, quase me comovi ao ver a transformação de uma embalagem de sumo em carrinho para brincadeiras. Era um workshop da Oficina ReCriativa. Parece que em 2 horas podemos aprender a fazer brinquedos da maioria do desperdício doméstico.

E reparo, a sério que reparo, que o Pedro (ainda) diz "Mãe, arranja" e não "Mãe, compra outro". É claro que se eu medir a qualidade dos produtos de hoje pelo tempo médio que ele leva a proferir estas palavras não tenho motivos para me animar.

2 de julho de 2007

Choque de realidade

Uma semana de férias no sotavento Algarvio (obrigada Pedro e Vera): praia, mergulhos no mar, miúdos cansados com cores de quem brinca "lá fora" e matadas as saudades da Ria Formosa.

No regresso a casa: o aborrecimento latente de ter que desfazer as malas, arrumar a roupa e pôr máquinas a lavar.

À chegada: a cozinha alagada, o frigorífico e congelador quentes como o dia lá fora, a comida estragada.

Pronto, estou de volta.

18 de junho de 2007

Adiante

Algures lá pelo meio, jurei - e acreditei mesmo a sério - que com o final da tese chegava ao fim a minha "carreira" na ciência. Acabava-se o trabalho solitário e tantas vezes frustrante, acabava-se a pressão para publicar e, acima de tudo, acabava-se a precariedade das bolsas.

Apercebi-me agora que não cheguei a aprender a viver de outro modo. E que aos 32 já é tarde para tentar o primeiro real job. Vou, portanto, continuar a depender de mecenas, de bom tempo na Primavera e de horários de marés. Vou continuar a queixar-me da falta de respeito e a ter dificuldade em explicar socialmente a minha profissão. Mas, no fundo, no fundo, já não gostaria de fazer outra coisa.

Deixo os caranguejos-violinistas e subo na hierarquia filogenética. Estes serão os companheiros dos próximos 3 anos.


Se tudo correr bem, vou celebrar com um jantar de sushi.

8 de junho de 2007

Home alone

Deito-me sozinha muitas vezes. Gosto da sensação de 1,60m de largura de cama só para mim. De ter duas almofadas. De poder escolher de que lado quero a luz acesa. De adormecer atravessada. De saber que há lençois frescos, um pouco mais ao lado, quando faz demasiado calor no sítio em que estou. Gosto - mesmo muito - disto tudo, quando sei que vou ser acordada com um "chega para lá"; ou resmungar estremunhada quando a almofada que prendo entre os joelhos me é arrancada para aconchegar a cabeça do João que se deita ao meu lado.

Mas quando sei que sou dona e senhora da minha cama durante uma noite inteira; e que se acordar sozinha, às 3 da manhã, não vai haver luz acesa no escritório a justificar a ausência, estes prazeres esvanecem-se perante o lugar vazio. Fico na sala à espera do sono que, invariavelmente, vem mais tarde do que é costume. Vejo séries perdidas. Sinto saudades.

Ser pendura custa, mesmo quando não se partilha a viagem.

1 de junho de 2007

Mesa farta em dia de fastio

Pela primeira vez desde há 2 anos e meio não tenho que sair a correr a meio do trabalho em mãos para ir buscar um filho à creche. Mas, por acaso, terminei à hora do costume.

Posso, se quiser, dar uma volta na baixa. Ver montras. Fazer planos de última hora. Mas, por acaso, não surgiram nenhuns.

Não tenho jantar de obrigação para fazer. Não há ninguém a pedir-me massinhas ou salsichas. Há duas caixas de sopa no frigorífico. Há restos. Há a possibilidade de jantar fora sem ter que arranjar babysitter. Mas, por acaso, até já tinha decidido de manhã a ementa. E até me apetece.


Sinto-me como alguém que comeu que nem um abade e olha tristemente para o que ainda resta na mesa, com pena de já não caber. Sabendo que, no dia seguinte, iria saber que nem ginjas!

29 de maio de 2007

Intimidade

Estive inscrita, aqui, para responder ao longo inquérito que deu origem a este livro.

Tenho pena que o questionário tenha ficado apenas meio preenchido, algures no My Documents. Mas exigia demasiado tempo. O meu lado feminino estava, então, ocupado com a gestação do Luis, e o meu outro lado ocupado com a gestação d'A Tese. Depois dos dois partos já tinha passado o prazo.

O livro segue, parece, as passadas de My Secret Garden e Forbidden Flowers de Nancy Friday - dois títulos dos anos 60 ou 70 que li, vorazmente, na adolescência. Tenho curiosidade em saber se as diferenças culturais e geracionais entre estes livros se reflectem nos textos, ou se a intimidade - por definição tão pessoal - está, também ela, globalizada.

Vou comprá-lo, mais dia menos dia. Até lá, se me quiserem oferecer qualquer coisa, aqui fica a dica.

Adenda 04/06/2007: Já comprei.

24 de maio de 2007

Murros no estômago

Às vezes, quando menos se espera, recebe-se um.

Eu reciclo. Dou dinheiro à UNICEF e Amnistia Internacional. Assino as petições contra a violação dos direitos humanos. Comovo-me genuinamente com quem faz mais mas não dou o passo para lá do que se faz online. "Quando crescer / quando tiver tempo / quando os filhos forem maiores vou fazer a minha parte para que o mundo seja melhor", penso enquanto engulo o nó que se forma na garganta. E no entretanto passam-se os dias, meses e anos a gastar energia na manutenção do status quo. E, quando recebo um desses murros, não sei bem se o que me dói mais é o estado em que vai o mundo ou a realização da minha ausência de contributo para que não vá assim.

"Pensar global. Agir local." é o refúgio da minha consciência. Mas há dias - cada vez mais dias - em que esse cobertor me deixa os pés frios.

22 de maio de 2007

Tatus novis

Não, não é a minha nova espécie de estudo. Tatus novis são as palavras mágicas para o Pedro. O suborno certo. O preço que se paga e acaba com qualquer birra. O Pedro, qual Imelda Marcos, vende-se por um par de sapatos novos. Felizmente não têm que ser designer shoes.

A escolha para este Verão são estas sandálias da Chicco, que vai dando provas de conforto e durabilidade.

21 de maio de 2007

Savana

Para acabar com os feltros de outros projectos, e com uns tecidos que tinha lá por casa, este Verão resolvi costumizar as t-shirts dos meus filhos. É também a oferta standard, por agora, para amigos que se tornem pais, ou amiguinhos que façam anos. Ou uma solução para nódoas que nem o Sol apaga.

Gosto de ver as ideias, assim, materializadas. Com o tempo, espero, com muito menos imperfeições.

Os desenhos foram baseados no padrão destes calções da BabyGap.

16 de maio de 2007

O meu meme

Por desafio da Joana, passei algum tempo a pensar qual o meu meme de eleição, que ideia gostaria eu de ver a multiplicar-se na "piscina de memes" da sociedade actual.

Acabei por escolher um meme pouco egoista, temo que quase em vias de extinção, apesar de já ser velhinho, velhinho. Aqui fica, contra o Darwinismo social, que parece ser o meme dos dias de hoje.


"De cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades."


Não tenho muitos amigos, com blogs, para desafiar. Mas talvez o meu pai, a Vera e a Ana queiram pensar nisso.

[Pensei em mudar o título deste post para "2 em 1". É que este desafio, de blog em blog, também é, no fundo, um meme. Mas depois o link era alterado e este meme não sobreviveria a tamanha mutação.]

11 de maio de 2007

A vida em BD #3

Hoje é sexta-feira, dia de ER no AXN. É, talvez, a única coisa que ainda me esforço para ver.

Hoje tenho convidados para jantar, na semana passada foi essa do cable was out, e nas outras a culpa é dos miúdos.

10 de maio de 2007

Globalização

Quando o David foi para Cabo Verde pedi-lhe para me trazer um pano típico - e típico é a palavra-chave - para carregar o Luis.

Parece, garante-me ele, é que o que se usa por lá agora são estes sarongs, made in Indonesia, e comprados nas lojas chinesas.

É bonita a minha prenda. Vou usá-lo para levar o Luis e dar passeios na praia. Tenho pena é que seja típica da aldeia global e não de Cabo Verde.

4 de maio de 2007

(Un)easy rider

Foi no Domingo passado, um dia quente de Primavera, mas já a adivinhar os dias cinzentos que se seguiram.

Começámos em Lisboa. Eu, ainda de carro com os miúdos. Os outros três - João, Pedro e Susana - já nas motos onde seguiriamos viagem. Em Corroios largámos os filhos com os avós. Coloquei o capacete e vesti o casaco de Verão do João, que me fica demasiado grande em algumas partes do corpo e demasiado pequeno noutras - as curvas, as desejadas e as indesejadas, exigem roupa custom made - e começámos, então, o passeio.

Em Alcácer do Sal parámos para um café e para decidir, exactamente, o itenerário. Já dava pela existência das minhas costas e o forro velho do capacete das namoradas do meu irmão dava-me uma comichão insuportável. Troquei de capacete com o João, só para constatar, afinal, que era o meu cabelo que me irritava o couro cabeludo.

Seguimos Alentejo fora com destino a Serpa, para almoço. Pelo caminho fui apontando as buganvílias ao João, que as olhava desinteressado. Sou a única a depositar esperanças e esforços na que está na varanda, portanto.

Em Serpa custou-me dar os primeiros passos depois de descer da moto, mas a Sopa de Cação que me esperava animou-me. Para fazer tempo, enquanto esperávamos mesa, tomámos uma imperial no Lebrinha, porque parece que é obrigatório. E é mesmo!

Depois do almoço já só apetecia giboiar, mas tínhamos decidido chegar a Mina de S. Domingos, antes de voltar para cima. Improvisei uma fita no cabelo por causa da comichão - resultou - e seguimos. Era bonito, mas a urgência* de voltar não me deixou apreciar este bocadinho do Alentejo.

Começou então o regresso: Castro Verde, Grândola, Alcácer, de novo, Corroios-Lisboa. Ainda antes de Castro Verde vi uma placa a dizer "Lisboa 220" que me fez doer o corpo e a alma. As costas já não me sustentavam, era eu que as sustentava a elas. O frio do entardecer começou a entranhar-se nos ossos. A posição no assento fez-me maldizer cada pedra no caminho, cada lomba que transposemos. Em Grândola comecei a pensar obsessivamente na banheira de hidromassagem dos meus pais. Em Setúbal começou a chover. Só percebi quando ouvi o barulho da chuva a bater no capacete.

Pouco depois, chegámos.

Com um casaco à minha medida e à medida do frio que faz lá fora, fita para o cabelo, e uma mala para a moto onde me possa encostar, acho que repito a aventura. E nestes 500 km à pendura ocorreu-me que eu e o João só partilhamos actividades onde não podemos trocar uma palavra: isto e o mergulho. Mas entendemo-nos bem nestes silêncios.

* É que isto de deixar os miúdos com os pais faz-me sempre sentir uma adolescente que está a voltar para casa demasiado tarde. E quando chegar vão ralhar-me e não me deixam sair de novo por um mês inteiro, de castigo.

3 de maio de 2007

Tropicália

Aos poucos vai aparecendo cor na minha varanda cinzenta.

A buganvília (Bougainvillea sp.) e a outra - não sei o seu nome - foram um presente da Clara por ter ficado com os seus filhos enquanto ela e o Yorgos trocaram, por três dias, o papel de pais pelo de casal.

Temo que morram, que não saiba cuidar delas, que o vento do Alto do Lumiar as fustigue para além do que a sua natureza tolera. Mas sonho com uma varanda de onde pende uma buganvília em flor, gigantesca, como em tantos quintais pelo Alentejo fora.

Esta yuca (Yucca sp.) também fazia parte do presente. Já a conheço e confio mais na sua capacidade de resistência.

Agora, falta só pendurar a minha rede cadeira, há tantos anos a ganhar pó na arrecadação. Puxar de um livro - talvez Zélia Gattai - e sentir os trópicos* em plena Lisboa.

* Claro que me seria mais fácil acreditar se as fotos não fossem de um dia cinzento e chuvoso.

2 de maio de 2007

Incentivo à maternidade

O Pedro anda na mesma creche há mais de 2 anos.

Quando fiquei grávida do Luis, em Março do ano passado, tratei de anunciar com rapidez, por causa das vagas, a intensão de o colocar no mesmo sítio.

Quando o Luis fez 5 meses, não teve lugar. Está, provisoriamente, numa ama.

Para o inscrever para o ano que vem, tive que fazer plantão hoje - dia de inscrições - à chuva desde as 6 da manhã. Para garatir uma boa posição na lista de espera. Assim, como se começasse hoje a minha espera, e não há 1 ano atrás. Como se fosse razoável ter que colocar cada filho em diferente instituição apenas porque não cheguei a horas no dia certo.

Fui a 3ª a chegar (vá lá, uma medalha de bronze na categoria de cuidados parentais). Garanti, assim, com a minha abnegação e sacrifício, uma vaga para Setembro. Eu já devia era saber que numa instituição paroquial de apoio social só podia ser esta a moeda aceite.

26 de abril de 2007

A vida em BD #2

Nós, agora, falamos sempre 15 minutinhos ao telefone antes do João vir para casa. Para pôr a conversa em dia.

24 de abril de 2007

Há algo de podre no reino da academia

Quando o mais difícil de uma candidatura a pós-doc é o estabelecer quem pode estar associado ao projecto e não o delinear do plano de trabalhos.

E quem pode não é, geralmente, quem merece.

23 de abril de 2007

Ser pendura

No Domingo estreei-me, finalmente, como pendura do João. Ao fim de 1 ano, as desculpas dadas por ele, da gravidez, frio e falta de experiência do condutor foram todas deitadas por terra e lá fomos nós até Torres Vedras que é, por assim dizer, onde a liberdade acaba e há que voltar à base e aos filhos. Mas soube-me bem: fechar os olhos, sentir o balanço da moto, deixar o corpo deitar-se nas curvas. Sem ouvir nada, perdida nos meus pensamentos, era quase capaz de adormecer.

No próximo Domingo vamos de novo, o dia inteiro, e com direito a paragem para degustação gastronómica. Um teste para ver se aguento o Lés a Lés. O João tem esperança que eu desista desta insistência de levar pendura. O que ele não sabe é que se não me fizesse tanta guerra eu até era capaz de aceder ir adiando para outros anos*.

Mas a verdadeira questão é se posso, realmente, ir. Porque, pelo andar da carruagem, acho que o meu pendura ainda mama em Junho!

* Estás a ler?

17 de abril de 2007

Mental note

Tornar a pega da bomba um item permanente* da minha mala.

* Antes um saco à Sport Billy do que esta sensação de torneira em débito contínuo.

1 de abril de 2007

Alfinetes-de-(d)ama

No post em que fazia reminiscências sobre as tardes de costura com a minha avó, falei em alfinetes-de-dama. O comentário do Tiago fez-me querer procurar o termo correcto: dama ou ama? Nada como o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa para responder à questão: aparentemente o certo é alfinete-de-ama.

Na Wikipédia em Português não encontrei nada referente ao tema. Em Inglês a dúvida não se põe, mas há muita informação sobre a história e siginificados culturais dos safety pins.

Recentemente usei, todos os dias, um na lapela.

30 de março de 2007

Urban proof, not child proof

Para o Pedro, agora, qualquer carrinho que se aproxime do tamanho do pé é para brincar assim:

Não adianta explicar a um miúdo de dois anos e meio o que é uma metáfora, o que são liberdades criativas, o que é realidade e o que é fantasia.

Este exemplo inconsequente (ou antes inconsequente até à data e espero que se mantenha assim), fez-me pensar pela primeira vez se existe realmente uma necessidade de controlar o que eles vêm na TV. Não digo os anúncios, que me parece incontrolável, mas os programas em si. A minha infância não foi controlada assim, exceptuando pela hora de ir para a cama, e a ideia de eu o fazer deixa-me desconfortável.

Ando a pensar nisto há uns dias. E, após reflexão, acabo de reiterar a minha convicção de que não adianta, e não é bom, protegê-los do mundo. É deixá-los dar umas "quedas" e oferecer-lhes as melhores ferramentas possíveis para se protegerem. E não há melhor ferramenta que o conhecimento. E isto vale para a TV, livros e ruas.

E no que puder farei os possíveis para que o mundo (todo ele, não apenas o do Pedro e do Luis) se vá tornando um pouco menos hostil.

27 de março de 2007

Experiência adquirida

A primeira sopa do Pedro, há coisa menos coisa de 2 anos, marcou o início de uma era que durou alguns meses, em que o horário da refeição era o período mais temido e extenuante do dia.

O Luis estreou-se ontem. E, pelo contrário, comeu de tal maneira bem que nem foi preciso trocar de babete no fim.

É certo que, basta olhar para eles - para os olhos "encovados" de um e para os refegos e bochechas do outro - para se ver que o Luis é mais amigo do pecado da gula. Mas a verdade é que a abordagem também foi diferente: o Pedro começou pelas sopas tradicionais, sabores talvez um pouco difíceis para quem só conhece a mama. Ao Luis demos uma das primeiras receitas deste livro fantástico que foi o que nos resolveu o problema há dois anos atrás. Receitas saborosas, também para adultos.

Cada filho torna-se mais fácil que o anterior. Mas adquirir esta experiência cansa-nos demasiado para termos vontade de uma nova oportunidade para a colocar em prática.

26 de março de 2007

Trabalho em curso

Por indicação da SS, na creche do Pedro, os lençois da sesta têm agora que ser guardados numa bolsa fechada. Enquanto acho esta exigência um disparate da "sociedade esterilizada", apreciei a oportunidade de me sentar no chão a fazer recortes e cozer trapos e missangas. Lembra-me o conforto de invernos inteiros ao lado da minha avó, à braseira. Do trabalho para clientes só me era permitido "virar os cintos", com uma bic laranja ou um alfinete de dama; mas tinha um trapo - ela chamava-lhe "o bruxedo" - onde pregava botões e passava linhas de várias cores de um lado para o outro.


Por (de)formação profissional, e porque ele não estaria aqui se o pai e a mãe não gostassem de mergulhos, fiz-lhe um peixinho*.

* Peixes a sério não fazem bolhinhas.