22 de maio de 2008

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O Pedro lamentava-se ontem por não ser castanho como o melhor amigo. "Para ser bonito como o Márcio", dizia-me. "E quero o cabelo, também, castanho escuro e que não cresce". São os dois bonitos. Pequeninos, irrequietos e com os olhos grandes. Nisso até são parecidos. E as cores, expliquei-lhe, dependem das cores dos pais e não há forma de mudar. Ou razão para o fazer.

A minha avó atalhou uma explicação que lhe pareceu mais simples, mais adequada à idade: "O teu amigo é mais castanho porque vai muito à praia e passa muito tempo ao sol. Tens que apanhar sol para ficar mais como ele". Aquilo irritou-me. Percebo-lhe a intenção e sei que não há malícia. Mas o discurso encerra uma opção por defeito: ser claro. A pele escura é uma variante que se alcança se apanharmos sol. São estas subtilezas, estas simplificações infantis, que constroem o preconceito. Que pode não encerrar ódio, nem ser mal intencionado, mas que não deixa de ser um preconceito. Um pré-conceito, aliás, o verdadeiro sentido do termo. Uma pessoa, um ser-humano, tem a pele clara. Tudo o resto é construído sobre esta imagem. Como as bonecas de papel que se podem vestir com diferentas peças de roupa que recortamos. Ou colorir, se a quisermos de cor diferente do original.

Será um pré-conceito geográfico, talvez. Aceito isso e espero que os antípodas equilibrem as coisas. E que as avós do hemisfério Sul alvitrem a falta de sol, aos seus netos, como explicação para a pele leitosa dos que vivem por estas bandas. Mas dado o historial do mundo acho, o nosso, um pré-conceito perigoso. E espero que os meus filhos o adiquiram tão tarde quanto possível. A par da racionalização, da noção de geografia, de proporções, de culturas. Para que saibam que é assim aqui, mas que não é assim em todo o lado. E nisto estou contente com a escola que escolhi para eles. Ali não se insinuam defaults.

21 de maio de 2008

Heróis

Assim, que me lembre, tive três heróis.

Primeiro a Heidi. Identificava-me com a sua relação tão próxima com o avó. Também o meu me levava ao campo, me ensinou a andar de bicicleta, a lançar o peão e até a andar de andas. Se pudesse viveria ali, com ele, e fugia da cidade grande como ela, de volta para a montanha. Fez-me gostar do nome Pedro. Tanto, que é o nome de um dos meus filhos. E quem se vestia de roxo era, com toda a certeza, pérfido como a Rottermeier.

Depois o Sandokan. Faz parte do meu imaginário romântico. O melhor amigo de Sandokan era um português de nome Eanes e no meu universo de 5 ou 6 anos era encarnado pelo então presidente Ramalho. Só podia ser boa pessoa, sendo amigo do Tigre da Malásia.

Já na adolescência apareceu o McGyver. Um herói dos tempos modernos, a transbordar de engenho e conhecimento. Graças a ele sei como travar uma fuga de ácido sulfúrico numa central nuclear, caso me veja em tais apuros. Inicialmente só o via na TVE. O meu pai chamava-lhe "O homem do VitorInox" e só descobrimos o seu nome quando, anos mais tarde, a série passou em Portugal.

O meu novo orientador é um bocadinho McGyver. Precisa de mais ferramentas, é certo, mas constroi qualquer coisa de que precisemos. E, ao mesmo tempo, ensina-nos o que há de mais íntimo sobre a Transformada de Fourier. Tem sido inspirador. Outro dia quando o meu secador de cabelo se estragou a poucas horas de uma ida a um casamento, depois do Engenheiro aqui de casa ter declarado que não o conseguia arranjar por falta de ferramentas adequadas, saquei do meu canivetezinho vermelho e de um rolo de fita-cola e ainda hoje continua a soprar ar quente. Repito mentalmente "Mi nombre es 'macguiber'".

13 de maio de 2008

Fechado para trabalho de campo

Não tenho tempo. Nenhum. Regulo-me pelas marés, estou toda picada por mosquitos e esfalfo-me a tentar arrancar um gerador todos os dias. Falta-me a força de braços. A única reflexão que me ocorre é "Porque é que eu me meti nisto outra vez?". Voltarei assim que conseguir elaborar sobre outras coisas.