8 de fevereiro de 2008

CV

Estive a avaliar CVs de candidaturas a um projecto de uma empresa com que colaboro pontualmente. Foi a primeira vez que me vi neste papel de escolha. Procura-se alguém que, para além da formação técnica ou científica adequada, possua alguma articulação verbal, que a ideia é os candidatos elaborarem candidaturas a financiamentos pelo novo quadro comunitário.

Percebi rápidamente que não tenho os mesmo critérios na avaliação de capacidade de escrita que a pessoa que seleccionava os CVs comigo, que é também o principal impulsionador deste projecto. "Este não, só tem média de 14", diz ele. "Mas fez um curso de escrita criativa e tudo, olha lá, é capaz de ser interessante". "Mas só tem média de 14". E pronto, fica arrumado, porque a experiência diz-lhe que os bons alunos são mais articulados, mais organizados e mais responsáveis. É capaz de ter razão, eu sou novata nisto. Mas ainda assim acho que o fazer um curso de escrita criativa diz mais sobre a relação de alguém com as letras que aquele número com que se termina o curso.

Mas o pior veio depois. "1975? Esta está em idade reprodutora...", diz enquanto torce o nariz. "E não trabalha desde Junho do ano passado? É de certeza casada e deve estar em casa com a prole". Primeiro fiquei surpresa - que o tenho em boa conta - e depois incomodada. Disse-lhe que sobre os rapazes não fazia comentários à idade e ao estado civil e que estava a achar aquilo preconceituoso, e que são estas coisas o mal da sociedade que temos. Ainda tinha mais argumentos, mas não tive tempo, terão que ficar para outra altura. É que tenho sempre que sair às 5, sem falta, para conseguir ir buscar os miúdos à escola.

6 comentários:

Elsa Castelo disse...

Mudam-se as leis, mas as mentalidades, essas são bem mais difíceis de mudar.

De qualquer forma, da minha parte, estou em crer que lá chegaremos :)

Anónimo disse...

Uma situacao terrivel em que claramente se deve fazer uma tomada de posicao.
os criterios de seriacao devem ser primeiro debatidos e escritos com base na lei e nos interesses da empresa.
Depois publicados e por fim utilizados.
O processo que descreves se nao fosse criminoso era pelo menos infantil e muito incompetente.

Anónimo disse...

nos eua, nunca me perguntaram a idade, nem o sexo, nem o estado civil. e ilegal! Posso levantar um processo a empresa e acabar com a sua existencia!

Unknown disse...

Na verdade isto foram apenas comentários, pq no final de tudo até só foram seleccionadas mulheres, já que os seus CVs eram claramente mais adequados.

O que eu pretendi com o post foi evidenciar que 1) o preconceito existe e que 2) na prática o preconceito tem razao para existir pq, socialmente, ainda calha as mulheres a maior carga e responsabilidade de cuidados parentais. Eu tenho sempre que sair as 5. E eu nao sairia as 5 se não tivesse filhos, por exemplo. Ainda por cima é a minha hora de maior produtividade, nem sequer isto me respeita o bioritmo.

É claro que em termos de legislação não se deve apoiar o preconceito e é obvio que estas coisas têm q ser ilegais. Mas tb nos compete a nós socialmente irradicar as razoes pelas quais os preconceitos existem. Qtos homens, em portugal, tiram licença de paternidade em vez das mães, por exemplo? Não acredito que seja uma percentagem significativa. Qd é preciso ficar em casa com filhos com febre, dividem-se os dias equitativamente. Não creio que seja o caso na maioria das famílias. Devia-se começar por estas coisas.

Manuel Rocha disse...

Pretendeu e conseguiu !

Muito bem posta a questão !

:))

Anónimo disse...

nao sei nas familias portugesas como e. Na minha ficamos a vez. tambem vamos buscar e por a escola a vez.

Na licenca que foi de apenas 6 semanas fiquei eu porque foi o meu corpo que precisou de se recompor e foi do meu corpo que saiu o leite que amamentou os meus filhos, alias muito para alem das miseras 6 semanas.
O preconceito existe e a pressao social e enorme. Cabe a cada uma de nos mata-lo de raiz.

E a Joana fez muito bem em publicar a sua experiencia. Esta a educar 2 Homens. tem entao uma tarefa acrescida.